Humberto Ramos
O Código Penal Brasileiro é bastante claro em ao dizer em seu art. 287 que configura crime fazer apologia a ato criminoso ou a autor de crime. Foi exatamente o que o deputado federal Jair Messias Bolsonaro do Partido Progressista do Rio de Janeiro fez. Neste último domingo, 17 de abril, na sessão da Câmara dos Deputados que decidia acerca do prosseguimento do pedido de Impeachment da presidente Dilma Rousseff, ao proferir o seu voto, o referido deputado fez questão de enaltecer o Golpe Militar de 1964 e também rendeu homenagem ao Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, uma das figuras mais sanguinárias do período da Ditadura Militar brasileira. Não apenas fez menção ao seu nome, também vomitou que Ustra era “o terror de Dilma”. A presidente, como é sabido de todos, foi torturada no Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) sob os mandos deste Coronel. Nada mais cruel do que provocar sarcasticamente a uma vítima de tortura com as lembranças do seu torturador.
Não é a primeira vez que o deputado Bolsonaro faz ode à Ditadura, exalta torturadores, debocha das vítimas da repressão militar. É, na verdade, uma caraterística marcante de seu mandato. Há que se perguntar, portanto, se o Código Penal claramente recrimina tal postura, por que uma figura dessas se encontra ileso a qualquer punição? Suspeito que isso esteja diretamente ligado ao modo com que se lidou com as questões envolvendo o período ditatorial logo após a redemocratização do país. São 28 anos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, de lá para cá nenhum torturador, nenhum dos líderes militares, foi julgado e condenado penalmente. O Estado brasileiro segue devendo uma resposta. Mesmo o governo progressista-esquerdista da era PT não fora capaz de efetuar um acerto de contas.
O máximo que se fez foi a instituição de uma Comissão Nacional da Verdade, que, no entanto, não possuía caráter punitivo. Uma vasta documentação foi gerada a partir da coleta de dados por meio de entrevistas realizadas com militares atuantes à época do regime e entrevistas com pessoas que sofreram torturas, com o acesso a arquivos de processos da época e toda sorte de documentação de posse do Estado útil ao esclarecimento dos fatos. Nos relatórios, narrativas dramáticas acerca das torturas perpetradas aos militantes contrários ao regime, cuja leitura dificilmente não gera desconforto e nojo. Reitero: nenhuma punição!
Aí talvez esteja a resposta para as atrocidades proferidas por alguns dos deputados brasileiros no domingo – especialmente pelo deputado Jair Bolsonaro e também seu filho Eduardo Bolsonaro. Esta talvez seja a explicação para que, da parte da mídia hegemônica, pouco ou nada tenha sido dito sobre tais discursos. Entre a população também pouco se viu em termos de rejeição às falas agressivas das figuras em questão. Ora, não havermos punido os atores do período mais tenebroso de nossa história fora uma terrível omissão. Era necessário um rigor pedagógico. Era necessário mostrar a todas as pessoas a perniciosidade da Ditadura, mostrar que os crimes contra a humanidade perpetrados por agentes do Estado são imprescritíveis e não estarão jamais isentos de repreensão.
O cenário é tenebroso. Assistimos um claro recrudescimento do conservadorismo reacionário, portador de discurso belicoso e dotado de conteúdo discursivo profundamente intolerante. O país no qual um parlamentar sente-se absolutamente à vontade para violentar simbolicamente a pessoa que ocupa a presidência da República é um dos países em que a polícia mais mata no mundo, onde manifestações públicas de estudantes do ensino básico são reprimidas na base de gás lacrimogênio, sprays de pimenta e toda forma de truculência. A democracia iluminou a nação mas ainda nos deparamos com recônditos onde as trevas ainda vigoram. Nas periferias das grandes metrópoles, e até mesmo do interior, o passado sempre se fez presente. Podíamos vê-lo no extermínio da juventude pobre e negra, nas torturas aplicadas pelos policiais militares nas favelas e na carceragem de todo o país, as ameaças de retaliação e a violência psicológica efetuadas contra quem ouse denunciar.
Hoje, no entanto, a ideologia policialesca possui representantes no Congresso Nacional, a Frente Parlamentar a Segurança Pública, conhecida como Bancada da Bala. Essa iniciativa se faz presente também nos Estados da Federação, como, por exemplo, em São Paulo, onde um Coronel da Polícia Militar integra a Comissão Estadual dos Direitos Humanos – e não com a intenção de construir uma política de Direitos Humanos. Essas figuras não são muitas, mas são fervorosas e seus discursos vêm encontrando capilaridade social. O cidadão mediano, atordoado com as crises econômicas, a criminalidade, refém de uma formação intelectual cujos mentores são os programas de televisão de cunho policial e sensacionalistas, esse cidadão encontra na fala confiante, firme e agressiva desses atores políticos algum tipo de alento, algum tipo de expectativa quanto à solução dos nossos problemas de segurança pública e quiçá para nossa crise de valores.
Hoje a maioria dos torturadores estão mortos, e se estivessem vivos duvido que, diante da atual cena política, conseguiríamos julgá-los. Resta-nos, quiçá, disciplinar seus herdeiros ideológicos. Para ser franco, não querendo parecer pessimista, espero que não tenhamos perdido o bonde da história.
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